Escolhas


Drummond já dizia, em sua bela poesia, "Não importa onde você parou... em que momento da vida você cansou... o que importa é que sempre é possível e necessário Recomeçar". Mas quantas vezes na vida é possível recomeçar? Quantas vezes na vida você consegue recomeçar?

Quantas forem necessárias, mas saiba que será difícil, muitas vezes quase insuportável, uma estrada longa que, vez ou outra, dá vontade de desistir.

Quanto mais velhos ficamos, menos aceitamos as mudanças. É cansaço mesmo, físico e mental. Recomeçar é arrancar as raízes e perder o chão. É molhar-se inteiro na chuva; caminhar no deserto sem uma garrafa d'água ou ficar cego na vida adulta. É, enfim, enfrentar o limite sem nenhuma proteção senão a sua própria certeza.

Quando olho para trás e vejo quantos passos já dei e olho para frente e vejo quantos passos ainda tenho que dar, levanto-me e - sabe-se lá como - coloco um pé a frente do outro, e depois o outro, e o outro, e volto a caminhar, mesmo sabendo que posso ter que recomeçar "tudo de novo, outra vez". Esta é uma lição que a natureza nos ensina, todos os anos, estação após estação.

Do lado de cá do mundo, é quase Primavera. Os galhos estão secos, não há vida aparente nas árvores. Aparentemente. Pouco a pouco, conforme a estação caminha, pequenos grãos verdes brotam novamente, crescem e, daqui a pouco, vão encher as árvores. As flores voltarão a colorir os tons de cinza e marrom que sobraram do inverno. Transformarão os campos num rasteiro arco iris floral. E esta é uma certeza que temos, que a vida retornará!

Esta mesma certeza sempre me deu forças para levantar e recomeçar. Duas, três, quatro, cinco, sei lá quantas vezes já! Ao mesmo tempo que suplico para que não tenha que recomeçar de novo, sei que sou assim. Não é que a vida me empurre a isso, pois sempre temos alguma opção. Se recomecei, foi porque escolhi recomeçar. E já tentei ser diferente, acreditem! Tentei ser como tantos que percorrem um único ciclo durante toda uma vida. Afinal, os pinheiros não perdem suas folhas no outono. Esta não é uma regra, nem mesmo na natureza. Não é preciso recomeçar, se você não quiser.

Mas as macieiras, por outro lado, congelam a seiva e perdem as folhas para retornar, duas estações mais tarde, ainda mais forte, ainda mais bela, ainda mais doce do que nunca! A águia, dizem, aos 30 anos mais ou menos, arranca suas penas, uma a uma, e depois, bate com o bico várias e várias vezes na pedra até que ele caia, numa mutilação extremamente dolorosa. E para quê? Por que? Porque precisa se renovar. Nua, sangrando e sozinha, ela espera, pacientemente, que tudo se refaça. E volta, mais sábia, mais forte e mais veloz!

Enquanto alguns recomeçam, outros estão sempre caminhando, devagar e sempre, durante uma vida inteira, pela mesma estrada, olhando para frente, para um futuro estável, sereno e sólido. Como já os invejei! Se não é fácil recomeçar, também não é fácil prosseguir no mesmo caminho. Pense por um instante. O que é mais fácil (ou mais difícil), enfrentar um divórcio ou manter um casamento infeliz? Continuar no emprego que suga sua vida, seu tempo e sua saúde, ou enfrentar a batalha do mercado, o desemprego e a incerteza?

Depende. Sim, depende de muitas coisas, mas principalmente de quem você é, e de quanto (ou o quê) você está disposto (ou pode) pagar. Nas escolhas da vida, há o certo para mim e o certo para você. O importante é que todos se respeitem e que cada um seja feliz ao seu modo.

A exemplo das diferenças, comecei com Drummond e termino com Rappa, em Minha Alma, "armada e apontada para a cara do sossego". Recomeçar significa enfrentar, quebrar-se, cair, machucar-se, mas "Qual a paz que eu NÃO quero conservar pra tentar ser feliz"?

Pense nisso...

Comentários