Silvia



Silvia é uma mulher de 63 anos, bonita e falante. Muito falante. Falante demais, se me entendem. Sei a sua idade porque todos os dias ela me diz que tem 63 anos, “sei que não aparento, mas tenho.” Alta, corpulenta, cabelos pintados de marrom e olhos azuis esverdeados quase sempre escondidos atrás dos grandes óculos escuros.


Todos os dias ela passa na porta da minha loja e me chama para um café ou irmos juntas para o almoço, mesmo que ela não coma nada. Apenas para ficarmos ali, sentadas, conversando. E ela é pontual! Disse apenas uma vez que costumo sair para comer às 12h30 e não preciso de relógio pra saber que é hora do almoço. Portanto, não posso dizer que seja uma pessoa inconveniente. Ela aparece na hora certa!


Entre os seus temas preferidos estão o passado, o filho, o marido que a deixou há 11 anos, o quanto a vida é difícil, o quanto ela é só, o dinheiro que a mãe deixou de herança (não muito) e, finalmente, a vida alheia. Silvia sabe tudo sobre todos no bairro. Das gerações passadas e até das que estão por vir!


Ela tem um jeito peculiar de julgar os outros. Não se conforma, por exemplo, com uma moça que conhecemos outro dia no bar que, depois de batermos um longo papo, esta pessoa ainda a chame de “senhora” e a cumprimente com um “bom dia”, como se quisesse “manter a formalidade e o distanciamento”. Para Silvia, isso é frescura, é coisa de novo burguês. “Agora eu faço questão de chamá-la de senhora também e dizer apenas Bom Dia”. Coisas de Silvia.


Mas ela me inspira. Silvia teve paralisia infantil e usa aparelho na perna direita. Sobre isso, ela quase não fala, não lhe dá importância. Tanto que roda pelo bairro de bicicleta, pra cima e pra baixo, o dia todo. A sua fragilidade não é física, nunca foi e nunca será. Faz tudo o que toda dona de casa faz sem ninguém para ajudá-la.


Fuma um maço e meio por dia, o que lhe rende uma voz extremamente rouca. Hoje mesmo, me disse que “basta”. Que a partir de hoje vai fumar “apenas” um cigarro por HORA! Assim, ao fim do dia, terá fumado uns 20 cigarros “o que é um avanço para alguém como eu!”.


Ela tem umas atitudes interessantes, essa Silvia. Outro dia, comentou comigo sobre um colar deixado pela mãe, de três voltas. Uma bijuteria valiosa, da década de 30 que ela transformou em três colares diferentes. Disse que dois ela já havia dado a algumas amigas e que faltava um para dar e ela queria que fosse para alguém especial. E me deu! Fiquei sem palavras. Um silêncio que não durou muito. “Gastei 15 euros só no fecho que coloquei em cada um deles! Se você não gostar ou não for usar, me avisa que eu pego de volta.” Claro que o coloquei na mesma hora e sei que terei que colocá-lo, de vez em quando, visto que nos encontramos todos os dias! Mas o faço com prazer. Não é um colar maravilhoso, é de pérolas marrons, mas foi um presente seu. Um entre outros, não tão pessoais.


Silvia já me trouxe amostras grátis de cremes porque sabe que eu adoro cremes e, sabe como é, “são amostras grátis, não me custaram nada. Pode ficar”. Trouxe, outro dia, um relógio para a minha filha “é um brinde da loja Target, não comprei não, não gastei nada!” Às vezes chego a duvidar de tantas amostras grátis e brindes.


Existem muitas Silvias no mundo todo e tenho certeza que você também conhece uma. Talvez seja alguém da sua família! E isso às vezes me assusta. Seria um sinal de que seremos assim também, um dia?


Outras vezes, quero ser como ela. Principalmente quando a vejo, de longe, pedalando com maestria a sua bicicleta (com o aparelho!), parando aqui e ali para trocar meia dúzia de palavras com alguém (talvez bem mais do que isso).


Silvia não é o tipo de mulher que fica em casa com pena de si mesma, chorando seus mortos e suas dores. Não o dia todo. No cair da noite, talvez. Quando o filho sai com a namorada e ela fica só, na frente da televisão, cutucando a pele com suas unhas extremamente fortes, lhe causando pequenos machucados visíveis no dia seguinte.


Não existe ninguém que seja totalmente forte, mas existem muitos totalmente fracos. Silvia, definitivamente, não está na segunda categoria. Um brinde à Silvia!


Tim-tim!

Comentários

olá Erika,
este é seu terceiro trabalho que leio, confesso que estou me tornando seu fã, quem me dera escrever assim!

venuto
Olá, José! Muito obrigada pelas suas palavras!Vc, como escritor que é, sabe que algumas vezes a gente acerta a mão, outras nem tanto. Esta mulher realmente é uma pessoa incrível e inspiraria qualquer pessoa! Obrigada pela leitura, sempre! Grande abraço

Érika.
Anônimo disse…
Menina!!! quantas Silvias encontramos por esse mundo de Deus rsrsr.
Duro mesmo é encontrar os Silvios, tive a infelicidade de um ter passado pela minha vida, ele era pontual "na hora do almoço",rsrsr. Um dia aborreceu comigo e nunca mais voltou, graças a Deus.
Adorei o texto, bém escrito e muito bom.
bjos. Paula Rodrigues.