O fenômeno do suicídio e a estabilidade
Começo a
preocupar-me, de verdade, com o aumento no numero de suicídios, na Itália. Em
2010, foram 8 por dia (3048 ao ano). Se contarmos, também, as tentativas de
suicídio, o número dobra (3100 tentativas em 2010). Conheço uma delas.
Marco tentou se matar no final do ano passado. Dono de uma pizzaria, não podia
mais com as dívidas e tentou se matar com uma facada no peito. Foi encontrado
pelo filho, de 12 anos, que chamou a polícia e Marco se salvou. Assim como um
homem de 40 anos, que foi agarrado pelos funcionários da prefeitura quando
tentava se jogar da janela da sala de espera do Prefeito. Tinha sido demitido
há poucas semanas. Existe um fator determinante por trás desse desespero e ele
se chama VERGONHA.
O piscólogo
e suicidologista italiano, Maurizio Pompili, diz que, mais do que o estresse do
desemprego e as reais dificuldades que ele causa, o sentimento de fracasso e a
falta de esperança causam uma “dor mental” tão grande que a pessoa não vê outra
solução a não ser acabar com a própria vida. São pessoas que se vêem, dia a
dia, sendo achatadas na camada social. Pequenos, médios e grandes empresários
que estão vendo seus investimentos falirem. Empresas antigas de família e
também as novas, criadas há poucos anos com empréstimos bancários impossíveis de
se pagar. E sentem... VERGONHA. Vergonha de encarar a falência e os filhos em
casa, vergonha de encarar a sociedade, vergonha de si mesmos e de sua
incapacidade de gestão (mesmo quando a culpa não seja exatamente sua!). São
pessoas mais vulneráveis, diz o suicidologista.
Em Bologna,
essa semana, um empresário de 58 anos ateou fogo a si mesmo, dentro do carro,
em frente ao escritório do que seria a Receita Federal italiana. Ele era
acusado de sonegação fiscal e, naquele dia, deveria comparecer ao tribunal.
Enquanto policiais tentavam salva-lo ele dizia que queria morrer. Ainda não
morreu. Está com 100% do corpo queimado, entre a vida e a morte no hospital, em
Parma. Deixou algumas cartas dizendo que sempre pagou todos os impostos e pedia
para a Receita não ir atrás de sua esposa, para deixá-la em paz. Ao receber a
notícia, a esposa desmaiou duas vezes. Ela não sabia de nada dos problemas
econômicos do marido que, durante todo o tempo, escondeu da família o drama que
estava vivendo. Culpado ou inocente, o que fica claro é a necessidade de manter
as aparências, até mesmo dentro de casa!
Não julgo
nenhuma dessas pessoas. Não poderia, mas, em geral, às vezes, penso que o
italiano (mestre do desing, da arquitetura e da engenharia) não tenha muita
criatividade. Nós, brasileiros, acostumados ao desemprego, à crise e às
dificuldades diárias na saúde, no transporte, na educação (melhor parar por
aí!), aprendemos a nos virar. Fazemos um bico aqui, outro ali, vamos vender
coco na praia, pulseiras nas feirinhas e assim por diante. Infelizmente,
chegamos também aos mendigos, aos moradores de rua, às crianças abandonadas e a
muitos outros problemas que, na Itália, não tem. Não tem porque existe uma
política social que realmente funciona (ou funcionava). Mas é burocrática. Para
ter direito a um benefício social, tem que apresentar mil documentos que provem
a sua necessidade. E para aquele que já não consegue enfrentar a vergonha da
falência, é pedir muito.
Vergonha
que os imigrantes não tem e este tem sido outro problema. O serviço social está
cheio de imigrantes (africanos, romenos, marroquinhos), pessoas que não se
intimidam. Vão até lá, com seus vários filhos pequenos, e conseguem ajuda para
a alimentação, para o pagamento do aluguel, para as contas de gás e até na mensalidade
escolar (que, no berçário, embora público, tem que pagar uma taxa).
Infelizmente, aqui na minha cidade, pelo menos, já avisaram que muitos
benefícios não serão mais oferecidos por falta de verbas. Os “sem-vergonha” (no
sentido real da palavra) sugaram tudo.
Felizmente,
não são todos que se encontram diante de um problema aparentemente sem solução
que decidem se jogar pela janela, ou do trem, ou pendurar-se em uma corda.
Algumas
semanas atrás, uma amiga (jovem ainda, 26 anos) veio me dizer que o seu
contrato de trabalho não seria renovado, no final do mês. Depois de seis anos
trabalhando na mesma empresa, Corinna Grazioli (foto) seria descartada, como centenas,
todos os dias, por todo o país. Corinna estava chateada. Tinha sido o seu
primeiro emprego e estava preocupada. Com a crise, certamente não encontraria
algo com muita facilidade. Lembrei-me de Monti (o atual Presidente do Conselho
dos Ministros italiano) que, poucos dias antes, havia dito aos jovens que o
“trabalho estável é chato, tedioso”. Citação infeliz no contexto atual, mas no
fundo, eu o entendo.
Transformei
um pouco as palavras de Monti e disse à minha amiga que, às vezes, uma ruptura
nos leva a novos caminhos, muitas vezes melhores. Já que era inevitável, ela
tinha que aproveitar a “oportunidade” para conhecer novas atividades,
experimentar a vida! Ficar atolada em uma só experiência profissional não é
muito produtivo quando se é ainda tão jovem.
O que mais
eu poderia lhe dizer?
Alguns dias
depois, ela voltou. Feliz! Veio me contar que já tinha conseguido duas
entrevistas, em ambientes totalmente diferentes do que ela estava acostumada.
Sentia que as portas estavam se abrindo. Corinna é daquelas que não se dá por
vencida. Vendo o barco afundar, acionou os amigos, que, provavelmente, acionaram
os amigos, que acionaram seus patrões e Corinna vai deixar uma loja de
aparelhos ortopédicos (onde ela fazia desde o atendimento aos clientes até a
elaboração dos catálogos!) para ir para um Pet Shop ou uma empresa de eventos.
Ainda não sabe. Os jovens, quando querem (porque tem muitos pra lá de folgados,
também), são fortes e poderiam servir de inspirações para muitos daqueles que
estão jogando suas vidas fora.
A falência
e o desemprego, porém, não são as principais causas dos suicídios, na Itália. A
doença está em primeiro lugar. Sofimento físico, falta de esperança real de
vida! Mas a dor mental, como foi citada pelo suicidologista, não deixa de ser
uma doença. Doença que, aliás, aparentemente, Marco está curado! Lembra dele?
Da pizzaria? Já o vi duas vezes após o triste episódio. Sempre sorridente. Diz
que se reencontrou. Vendeu a pizzaria um mês depois da tentativa de suicídio;
pagou as dívidas (não sei se tudo ou em parte); foi abandonado pela esposa (e
quem pode culpá-la? Más linguas falam sobre amantes e dívida de jogo, não me
interessa, não é meu marido!) e agora trabalha por “hobby” três vezes por
semana, no restaurante de um amigo. “Faço o que gosto. Cozinho, ajudo meu amigo
em dias de maior movimento e ainda ganho um extra. Estou procurando a serenidade.”
Que você a
encontre, Marco. Você e todos nós, porque são tempos mesmo muito difíceis.
Minha contadora (que aqui é tida como uma consultora financeira) me disse,
ontem, que a Itália está entrando em uma segunda recessão. “Segunda?” Sim.
Sempre pode piorar. Ela disse que, em 30 anos como contadora, nunca viu algo
igual. Entre os seus clientes, nos últimos três anos, foram 36 que fecharam as
portas. Um por mês. Em toda a região, cerca de 100 pizzarias, restaurantes e
cafés fecharam. São milhares de vagas de empregos a menos, todos os dias, que
elevam sempre mais o índice de 11% de desempregados, no país.
Ah! Falei
com a Corinna, agora há pouco. Ela está assustada. Já começou no trabalho novo,
mas não era bem como ela esperava. “Ninguém me deu nenhuma direção e querem que
eu saiba tudo. Acabei de chegar!” Calma, Corinna. Este é o outro lado do moeda
dos tempos em crise. A fila é grande, do lado de fora, e, com isso, a
exploração aumenta. A exigência é alta, o salário é baixo e a falta de cooperação
é maior ainda.
Estamos
todos precisando de muita serenidade e jogo de cintura para encarar a
instabilidade como desafio, não como fracasso.
Vai,
Corinna, vai!
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