De malas prontas
Sabe aquela pergunta idiota que costumam nos fazer “Se você soubesse que
teria só mais um dia de vida, o que faria?” e que, para a qual, nunca temos uma
resposta já formada? Pois bem. Prometo não fazer a mesma pergunta, mas depois
de alguns fatos ocorridos comigo – que citarei mais adiante –, sou obrigada a
me perguntar: “Por que diabos o ser humano precisa ver a vida por um fio para
fazer o que é certo?”
Eu, você e seguramente a maioria dos adultos deste Planeta, já viveram
situações em que dizemos “Se eu passar dessa, prometo ....” e prometemos algo
que já deveriamos ter feito, mas que estamos sempre adiando, provavelmente
porque nos priva de algum prazer, ou porque é mais cômodo continuar como está!
Depois, quando a situação passa, passa também a determinação de cumprir a
promessa. Afinal, ninguém nos ouviu, somente os nossos pensamentos e, estes,
continuarão bem guardados na nossa confortável memória.
Outro dia, recebi de um amigo o video “3 things I learned while my plane
crashed: Ric Elias on TED.com”. O vídeo já roda pela net desde meados do ano
passado, mas eu ainda não o conhecia. Como se pode imaginar, é o testemunho de
uma pessoa que sobreviveu a um acidente de avião e diz como é ver a vida
terminar numa contagem regressiva de apenas alguns segundos. “Preparem-se para
o impacto”, disse o comandante. E a contagem começa. Começam também a rodar na
sua mente algumas coisas que não vou contar, caso você ainda não tenha visto o
vídeo.
Embora o cara seja um marketing man e por isso domina a platéia e
o discurso, não dá para ignorar o impacto (me predoem o trocadilho) da sua
experiência. Quando se sobrevive a uma iminente tragédia, a vida muda. Muda
para quem aproveita a oportunidade!
Todos nós temos dezenas, centenas, milhares de chances de mudarmos, de
agirmos conforme a nossa consciência, mas não o fazemos. Por que? Porque temos
a certeza de que poderemos fazê-lo amanhã! Não tem segredo nisso. Somos
indivíduos procrastinadores. Até o nome é horrível. E as consequências são
ainda piores e dou-lhes um testemunho pessoal sobre o tema.
Aprendi, a duras penas, que a vida tem sim um propósito para nós. Não
sei como, mas temos um trilho a seguir. Quando estou fora dos meus trilhos, sei
que tenho que fazer algo para retomar à estrada, mas não o faço. Tenho medo,
tenho preguiça, são vários os motivos. Não faço o que tenho que fazer até que,
um dia - e seria injusto dizer que é sem aviso - a vida me empurra para uma
situação em que a minha única alternativa é fazer o que eu estava adiando. O
tempo que me foi dado para cumprir a tarefa expirou. Game Over. É fazer ou
entrar num beco realmente sem saída. E eu faço, finalmente!
Entre estas situações, posso citar duas. A primeira, quando me foi diagnosticado
câncer na bexiga. Minha filha mais nova tinha pouco mais de dois anos de idade
e o prognóstico de casos assim é de sobrevida de três a cinco anos. Preciso
dizer o quanto chorei, o quanto quis voltar no tempo, fazer e dizer tantas
coisas, ter ao menos uma segunda chance!?
O médico me disse que a confirmação (do que para ele era 100% de
certeza) viria apenas com um exame que faríamos dali a 10 dias. DEZ DIAS!!! Dez
longos dias pesquisando na internet, vendo minha filha no berço e... chorando.
Vendo meus filhos maiores entrando na faculdade sem saber se os veria formados
e se eu estaria ainda ao lado deles para quando precisassem.
Olhava para mim mesma no espelho e sentia pena daquela pessoa do lado de
lá, que me olhava e me perguntava “E agora? Temos ainda tanto a fazer! Não vai
dar mais tempo!”.
Diante de uma situação como esta, você tem duas alternativas:
desesperar-se e perder ainda mais o controle da razão, ou encarar os fatos e
seguir adiante. Fazer o que terá que ser feito até quando puder e, nessa hora, pensei em várias coisas que eu não teria mais tempo de fazer, entre
elas, o meu seguro de vida.
Os dez dias se passaram e lá estava eu, deitada na maca na sala de
espera do hospital, chorando, como havia feito nos últimos dez dias. Mas as
idéias já estavam mais claras em minha cabeça. Só sobrava mesmo a tristeza de
deixar as pessoas que eu amo e que me amam, e saber que elas sofreriam muito
por minha causa. Quando finalmente me fizeram dormir para o exame, foi como
encontrar a paz. Talvez a morte não fosse algo tão ruim, fisicamente. Morrer
não é ruim. O pior é o antes!
Acordei no quarto do hospital com meu marido sorrindo para mim. Por que
as pessoas sorriem quando você se sente destruída? Porque ele tinha algo para
me dizer: Eu não tinha câncer! Tinha um tipo raro de cistite, totalmente
tratável, disse o médico! Sim, o mesmo médico que tinha me dado 100% de certeza
de que eu morreria em poucos anos.
Aquele miserável! Quase levantei da cama para acertar a cara dele, onde
quer que ele estivesse! Mas, de repente, ele se tornou tão insignificante perto
de tudo! Foi como se as nuvens desaparecessem e eu visse o azul do céu
novamente, depois de anos de escuridão! Para mim, aqueles dez dias foram mesmo
como anos.
No dia seguinte, liguei para um corretor e fiz meu seguro de vida e,
dois meses depois, estava num avião me mudando para a Itália.
Não satisfeita, a vida me prega outra. Um ano atrás, tivemos um outro
pseudo diagnóstico de câncer, não comigo, mas com meu marido. Exames e mais
exames para que o resultado fosse NEGATIVO novamente. E, novamente, assustada
com as possibilidades, tomei outra decisão que vinha adiando há anos: parei de
fumar.
Aprendi a respeitar a vida. Ela me dá sinais do que pode me acontecer e
do que eu preciso fazer. Se não faço nada, sei do que ela é capaz.
Eu vou morrer, como todo mundo, e quando chegar o momento, não quero
pensar no que eu deveria ter feito e não fiz. Minhas malas estão prontas. Quero
apenas fechar os olhos para enxergar o lado de lá.
Eu não posso lhe dizer para fazer isso ou aquilo. A vida é sua! Os
trilhos são seus! Cabe somente a você descobrir se vai precisar de uma segunda
chance ou não. E lembre-se que os “trilhos” não seguem padrões. O meu trilho
pode ser (e seguramente é) diferente do seu. O meu “certo”, pode não ser o seu. Não deixe que te digam que trem tomar. Só você sabe para onde quer ir.
Faça uma boa viagem...e sem olhar para trás.
Comentários
Anyway, nem sempre isso é possível à todos; recomeçar. Vidas acabam em fração de segundo; alguns merecem, alguns não.
Não sei o que determina esse balanço, mas estamos aqui ainda. E pela nossa vida passam pessoas que nos marcam indelevelmente, não há como esquecê-las e talvez seja também por isto que vale muito a pena viver.
Feliz de você que Murphy apenas te sacaneou, ruim para cias de cigarro, bom para seguradoras, melhor para aqueles que te amam e que te acompanham.
Eu, como seu leitor.
Beijo grande,
Luciano.
A Vida nem sempre segue a nossa vontade, mas ela e perfeita naquilo que tem que ser "
Chico Xavier.
Adorei oque voce escreveu e achei que esta fraze de Chico se encaixava bem, um grande abraco pra voce amiga.