Sonhando com a morte



Era uma vez, um homem que desistiu de viver mas não tinha coragem de se matar. Tinha pavor de altura, não conseguia se ferir com uma faca, não tinha arma e não existia linha de trem em sua aldeia. Ele tentou, então, várias maneiras indiretas para acabar com a própria vida.


Decidiu não mais se alimentar. Passou a beber somente água. O estômago roncava e roncava. E doía, como se tivesse criado dentes a mastigar as próprias entranhas. Desistiu e partiu para a próxima tentativa. Pensou em adoecer.



Passou a dormir fora da sua pequena casa de madeira. Fazia calor e não era tão mal dormir na floresta. Depois de várias noites, o saldo eram apenas várias picadas de inseto, mas nenhuma doença. Nenhuma cobra o atacou, nenhum urso o devorou. Depois de várias semanas, ele já estava tão acostumado a dormir na floresta que havia se adaptado aos insetos, aos sons e à escuridão. Viu, então, que a vida selvagem não o mataria. Ao menos não ali.


Foi quando, sentado em sua pedra, sentindo uma frustração enorme. Com os olhos cheios de lágrimas, avistou um montanha, tão distante, tão grande e tão assustadoramente fria que, em pleno verão, ainda podia-se ver a neve que a cobria como um manto grosso e gelado. Decidiu que iria até lá para morrer. No lugar tão frio quanto o seu coração, branco como os seus pensamentos e distante, como seus sonhos.


Pegou apenas alguns objetos junto aos quais gostaria de estar quando finalmente conseguisse dormir para sempre. O cajado que a esposa usava pouco antes de morrer de uma misteriosa doença que lhe foi limitando os movimentos e o pequeno cobertor com o qual o filho dormia até a tórrida idade de dois anos, quando o encontrou sem vida, deitado em sua pequena cama, dois meses atrás. Levou também a faca com a qual pensou tantas vezes em vão em se matar e partiu em uma viagem sem retorno.


Os moradores da aldeia, já acostumados com a sua intenção de não mais viver, não teriam se preocupado quando o viram sair se ele não tivesse, pela primeira vez em vários meses, um brilho intenso no olhar. Parecia ... feliz!


Perguntaram-no para onde ele estava indo e ele, somente com o olhar, indicou a montanha e seguiu em frente, sem olhar para trás, sem a menor hesitação, como se, depois de tanto tempo no mais profundo escuro, tivesse finalmente encontrado a paz.


Os dias passaram e o aldeão não se cansava. Caminhava dia e noite. Parava aqui e ali para beber um pouco de água, comer algumas frutas e hortaliças para que pudesse chegar até o topo daquela montanha.


Caminhou na chuva e no sol e as poucas vezes que realmente se sentia cansado, fazia um pequeno travesseiro com o cobertor do filho, apoiava a cabeça e dormia abraçado ao cajado da esposa. As poucas horas que dormia, sonhava que chegava ao topo e simplesmente congelava, transformando-se, pouco a pouco, também ele em uma partícula daquela imensidão branca. No dia seguinte, levantava e caminhava.


A sua obsessão não o permitiu ver que o verão tinha ido embora e o outono já havia começado há algumas semanas. Em compensação, ele parecia saber exatamente quanto ainda faltava pois, dia após dia, sentia-se mais próximo do seu objetivo. Faltava exatamente um dia a menos.


Ele passou por várias aldeias e em todas, deixou a sua marca. Ele riscava o chão de terra com o cajado, fazendo o sinal de uma seta indicando sempre o norte. A montanha alta e gelada que o engoliria em seus últimos dias de vida. Misteriosamente, os traços no chão nunca se apagaram. Tornaram-se sulcos na terra e nada os deformava ou preenchia.


Como ninguém o conhecia e ele se negava a falar, por onde passava lhe davam nomes diferentes: o nômade, o andarilho, o homem do cajado, o misterioso, o peregrino. Ele mesmo já havia esquecido o próprio nome. Não era mais importante.


O inverno chegou, alguns anos se passaram e, como ele não mais voltou à sua aldeia, sairam em busca de notícias. Alguns se lembraram que ele havia sinalizado, com a cabeça, que iria para o norte e lá foram eles.


Passaram pela primeira aldeia e perguntaram sobre o amigo. Embora já passasse tanto tempo, todos se lembraram dele, do andarilho com o brilho no olhar. E mostraram a sua marca.


Seguiram a direção da flecha e chegaram à segunda aldeia. Ficaram surpresos que, depois de tantos meses, ainda se lembrassem dele como o homem do cajado que irradiava uma paz quase mágica. Mostraram-lhes a sua marca que serviu de guia aos aldeões por todas os lugares por onde passaram.


Os aldeões já não estavam mais preocupados com o amigo, mas curiosos. Queriam muito encontrá-lo e entender o que o havia feito mudar tanto! Como era possível encontrar tamanha energia, paz e felicidade sem causa alguma, ainda mais depois de tanto sofrimento.


Um dia (e vários anos depois), finalmente, chegaram a uma aldeia por onde ele havia passado apenas algumas horas antes e estavam certos de que, até o final do dia, teriam encontrado o antigo amigo. Não sabiam, porém, o que esperar.


E o que encontraram foi ainda mais revelador.


Sentado à sombra de um imenso carvalho, o velho aldeão comia uma fruta enquanto mirava o horizonte. Seus olhos eram vivos como os de uma criança. A pele, a cor dos cabelos e as mãos. Tudo havia recuado dez, talvez vinte anos! Eles o reconheceram imediatamente, mas a recíproca não foi verdadeira. O "velho" aldeão não reconheceu os amigos debaixo das rugas e dos cabelos brancos.


Eles o admiravam e faziam muitas perguntas. Mas, principalmente, o que queriam saber era como ele havia se tornado tão jovem?


O andarilho não respondeu à nenhuma delas. Continuava a olhar em direção à montanha que parecia cada vez mais próxima. Os aldeões olhavam para a montanha, mas não entendiam. Não havia nada lá!


Eles não viam a montanha, pois ela realmente não existia. Nunca existiu, nem ali, nem em direção alguma para onde pudessem olhar.


Nunca houve senão um sonho, um desejo, uma ilusão que o manteve vivo e jovem até aquele dia. Mas isso, os aldeões não sabiam e nunca entenderam. Voltaram para casa com mais perguntas do que respostas.


A sua história e o mistério em torno do homem que quanto mais caminhava mais rejuvenescia é contada por todas as vilas e passadas de geração em geração.


Dizem que ele morreu congelado, abraçado ao seu cajado, em um monte qualquer. Todos sentem pena do final triste do aldeão sem saber que, minutos antes de morrer, ele
sentiu-se o homem mais realizado do mundo.


FELIZ ANO NOVO e.. MUITOS SONHOS E ILUSÕES A VOCÊ!!!!

Comentários