Santa ignorância
Depois de muitas semanas praticamente com a cabeça enfiada no trabalho, consegui alguns minutos para dar uma olhada no mundo à minha volta. Tive a sensação de viver em outro planeta. Enquanto eu trabalhava feito doida procurando novos produtos para a loja, gerenciando pagamentos de contas, elaborando novos folhetos de publicidade, enviando emails aos fornecedores, limpando, mudando vitrine, criando novos projetos, atendendo três clientes de uma vez (porque não tenho vendedora!), Berlusconi caía, Monti subia, Lula está com câncer e Dilma foi chamada para assumir que é gay (?).
Dilma e sua sexualidade são coisas que não me interessam nem um pouco, assim como a doença do ex-presidente Lula. Não é o único a passar por um câncer, no Brasil. Digo até que é um dos poucos com tratamento privilegiado no país, então, viro a página. Este assunto não me interessa. Me atenho mesmo à crise. Essa sim, interessa a todos. Seja a você, que está no Brasil ou a ele, que está na Tailândia, Estados Unidos, Holanda, Alemanha ou onde quer que alguém esteja. Atualmente, as asas da borboleta nos confins da África fazem sim vento por toda parte. Foi pensando assim que tudo começou e que me fez sentir como se eu tivesse perdido alguma coisa pelo caminho.
As notícias e os especialistas dizem que a Europa está falida com a Itália se equilibrando na corda bamba, uma corda que está carregando peso demais com a Espanha, Portugal, Grécia e até a França se agarrando uns aos outros! Os salários estão achatados, recuando talvez ao que eram dez anos atrás. Acho até que os redatores devem ter criado algumas teclas de atalho em seus computadores para palavras como crise, títulos da dívida, “Spread”, desemprego, etc, para facilitar o trabalho!
Lendo tudo isso me deu um medo danado! Medo de investir nos negócios e me dar mal, medo de cair na falência em poucos meses, medo, medo, medo. Pisei no freio e passei a sondar os clientes e amigos. A percepção da crise, obviamente, varia com o situação a qual a pessoa se encontra. Quem perdeu o emprego vai dizer que a coisa está feia. Para quem está trabalhando, vai dizer que não mudou nada. Mas algumas coisas reforçaram o que eu já pensava: a crise existe para quem se deixa vencer por ela. O mundo não parou!
Conheço jovens que estão reclamando que ninguém lhes dá uma chance. Mas conheço outros que saem às 5 da manhã para trabalhar como carteiro ou saem à noite como guarda-noturno. Um cliente me disse que, graças à crise, encontrou a força que tinha anos atrás. Hoje, ele trabalha em dobro para manter as mesmas vendas. Se tivesse ficado no mesmo ritmo, talvez tivesse falido. Mas ele optou por trabalhar mais. E me lembrei da estória sobre o cara que vendia cachorro quente na estrada cujo filho era um economista. Para quem não conhece, aqui vai um resumo.
A estória fala sobre um homem simples que não via televisão, não ouvia rádio ou lia jornais. Criou um filho vendendo cachorro quente na beira da estrada. O filho formou-se em economia e, um belo dia, voltou para casa e apavorou o velho homem com as notícias da crise no país. Humildemente, o velho acreditou no filho “estudado” e mudou todo o seu modo de agir. Passou a economizar comprando pães e salsichas mais baratos para os seus até então deliciosos cachorros quentes. Não demorou muito para que seus clientes - de décadas - parassem de comprar seu produto. E o velho faliu. A profecia do filho sábio era, realmente, verdadeira, pensou o homem.
Não, não era verdadeira. O pobre coitado apenas deixou de acreditar em si mesmo e passou a viver em um mundo ao qual não pertencia. O mundo das especulações e dos interesses.
Portanto, para quem achou que eu falaria seriamente sobre a crise na Itália, só posso dizer que decidi enfrentar as notícias com a ignorância, trabalho, criatividade e muita, muita energia. Espero que, ao fechar os olhos e me entregar à antiga sabedoria do velho do cachorro quente eu tenha um futuro melhor do que o dele!
(foto: cartaz conhecido como Rosie The Riveter usado pelo governo dos EUA, durante a II Guerra Mundial, chamando as mulheres para trabalhar nas fábricas)
Comentários